quinta-feira, 23 de junho de 2011

How do you say kiss in portuguese?

A sala tinha um cheiro esquisito, pouco agradável. As paredes eram amarelas. Quando chegámos havia umas quinze mulheres na sala. Sentadas. Umas jogavam às cartas, outras olhavam o homem lá ao fundo em cima de um escadote. Só uma fixava, entretida, o filme que estava a ser projectado na parede. Outras esperavam apenas que o relógio mostrasse as cinco e meia para atacarem a comida. Aos poucos a sala encheu. Uma adolescente de mini-saia. Uma grávida. Muitas mulheres idosas. Uma, sentada numa cadeira de rodas. Um homem vestido de mulher. Mais mulheres. Traziam sacos nas mãos, chinelos nos pés, olhar perdido. E fome.
Fazia parte do programa uma acção de voluntariado com pessoas sem-abrigo ou em situação de exclusão social e por isso fomos ao Thrive D.C., uma ONG num bairro hispânico de Washington. Trabalhámos na cozinha, cortámos pão, dobrámos roupa, lavámos louça, tratámos dos legumes, servimos refeições, limpámos as mesas.
Pediram-nos para nos apresentarmos: “olá, sou a Ana, venho de Lisboa, Portugal. Da Europa, lá do outro lado do Oceano!” Um aplauso tímido. “Ueu, the other side of the Ocean?!”. Uns quantos sorrisos.
Pude conhecer a Ilda. Veio da Jamaica. Óculos brancos. Um dente de ouro. Terá uns sessenta anos. Sorriso sereno, conformado com o que a vida lhe destina. “Tem filhos, Ilda?” – perguntei. “No, sweetheart, I have no one in this world”.
Pude conhecer Fatima. Tão bela e tão nova, que não se atreveu a dizer-me a idade. Teria uns desassete, dezoito anos. “Not Fátima. But Fatíma”, corrigiu-me. Contei-lhe a importância que em Portugal davam a Fátima. Sorriu. “Are you coming back here tomorrow?”
Pude conhecer a Odília, pesada, marcante, lenço africano na cabeça. “Who’s the girl from Portugal?”, perguntou ainda de estômago vazio quando estava na fila para receber a comida quente. E ensaiou o português: “Eu sou de Camarões. Cameroon, you know? Gosto de falar português!”
No final, despedi-me da Ilda, com dois beijos, deu-me um abraço apertado. E mais um abraço a Fatíma, que perguntou se voltaríamos a ver-nos. E a enorme Odília, que já estava junto à porta e voltou atrás para se despedir. “How do you say kiss in Portugal?”

2 comentários:

  1. Xii tenho uma vizinha Odília e aminha sogra chama-se Otília mas pensava que não havia mais Odílias no mundo... tudo para te dizer que gostei das fotografias e que Catarina é que há mesmo só uma :D

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  2. Mesmo do outro lado do "ocean", as tuas histórias e retalhos da vida encantam-me sempre :-) Bjs e diverte-te muito
    Rita Ranhola

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