quinta-feira, 29 de março de 2012

03.54H

Hoje tinha tanto para contar. Tanto... Queria escrever... Tanto por contar. Vou resistir ao sono. Tive um dia cheio. Vou resistir. Tanto por contar. Fiz uma descoberta. Quero escrever. Tanto... Era uma história. Será que amanhã, depois dos lençóis, vai ainda viver dentro de mim? Quero escrever...


quinta-feira, 22 de março de 2012

O Presente Absoluto

Este foi o Poema que disse ontem, em voz alta, no Dia Mundial da Poesia. Já passaram umas horas e o autor, magnífico António Ramos Rosa, ainda não me processou. Nem tudo está perdido.


O PRESENTE ABSOLUTO

Duas bocas descobrem o veludo incandescente
e saboreiam o sabor perfeito de um fruto liso
que é um sumo do universo. Com a sua espuma constante
os amantes tecem uma abóbada leve de seda e espaço.
Vivem num volume cintilante o presente absoluto.

Corpos encerrados em superfícies delicadas
abrem-se como velas vermelhas e o calor brilha,
clareiras acendem-se numa tranquilidade branca,
os olhos embriagam-se de miríades de cores
e todos os vocábulos são recentes como o orvalho.

Criam a origem pela origem, num corpo duplo e uno,
transformam-se subindo morrendo em verde orgia,
inertes renascem de onda em onda radiantes,
reconhecem-se no vento que os expande e os dissolve,
o mundo é uma brecha, um esplendor, um redemoinho.

António Ramos Rosa


terça-feira, 20 de março de 2012

Hoje assassinei um poema

Nunca tinha dito um poema assim, em voz alta, para toda a gente ouvir. Leio poesia aos domingos. E à semana, ao fim da tarde, para ajudar o pôr-do-sol. Leio poesia à noite, como quem bebe leite antes de se deitar. Um poeminha quente, apaziguador, antes de dormir. Sem açúcar, nem mel, nem café - um poema puro para me ajudar a adormecer. Recostada na cama, leio baixinho alguns poemas que me acomodam na almofada e aquecem os pés. Mas nunca tinha dito um poema assim, em voz alta, para toda a gente ouvir.
Na grande casa da rádio vamos por estes dias celebrar a chegada da Primavera e o Dia Mundial da Poesia, a 21 de Março. Desafiaram-nos a tirar das gavetas os nossos poemas e timidez e que celebrássemos a poesia dita ao grande microfone da rádio.
Hoje assassinei um poema.

domingo, 18 de março de 2012

Dos Deuses, dos crentes, dos ateus, dos agelastas

Tropecei, sem querer, na internet nesta Conferência "Deus, questão para crentes e não crentes", que teve lugar na Capela do Rato há dois anos. Vale a pena ver os excertos destes pequenos vídeos e reflectir sobre o seu conteúdo.
Na mesma mesa estavam Ricardo Araújo Pereira e José Tolentino Mendonça.
Partilho aqui algumas passagens de um dos mais consistentes ateus que conheço, Ricardo Araújo Pereira: "a minha não experiência de Deus é bastante caótica"; "eu não acredito em Cristo, mas acredito nos Cristãos"; "nós (ateus) e vocês temos, em certo sentido, pátrias diferentes"; "a religião é uma estratégia para fingir que a morte não existe", citando Philip Larkin; "para nós, ateus, a morte é um sono sem sonhos".
Fala-se da vida, da morte, da relação entre o riso e a morte, do sentimento de culpa, do(s) Deus(es) e termina com a magnífica história da Pedra Agelasta, invocando a mitologia grega. Vale mesmo a pena ver.









terça-feira, 13 de março de 2012

Sou tão Virgem

Sou tão Virgem, que às vezes irrita.
Desde sempre tive a fixação pela organização. Dizem os que acreditam nos signos, que até nem é o meu caso, que este é um dos mais característicos traços dos de signo Virgem.
Quem me conhece bem sabe que passo horas a "arrumar papéis". Guardo tudo, como quem tem medo de perder a memória se não tiver papéis. O bilhete de Metro com que entrei na Casa de Campo de Madrid pela primeira vez, lá está guardado. A entrada para a Tower of London, talvez porque me impressionaram os corvos. O papelinho da primeira rifa que comprei à Comissão de Finalistas da Faculdade. Postais de Natal. Um bilhete para a montanha russa (adoro!). O post it amarelo com um recado que achei, em certa data, importante. Os bilhetes que me deixam no limpa pára-brisas. Mapas de Metro de várias cidades, o bilhete da viagem de barco em Singapura, o papelinho da alta médica depois do internamento em Timor. Sei lá, guardo tudo e mais alguma coisa.
O pior de tudo (ou será o melhor de tudo?) é organizar. Numa fase inicial enchem-me as gavetas e o roupeiro, num caos que aprecio moderadamente. Sorrio e penso "ui, quando tiver que meter mão a isto..."
Depois, quando a quantidade alimenta o monstro, os papéis da minha vida passam para caixas de sapatos ou outras caixas de cartão coloridas. Mudam de casco, como o vinho. Ali ficam a amadurecer. A minha história a fermentar.
Até que, em momentos de loucura, espalho o caos pelo chão e começo a organizar tudo direitinho. Que alegria! A minha vida em pequenos papéis, guardanapos assinados, em multas que não paguei, bilhetes de barco, tickets, recados, bocadinhos de papel rasgado com números de telemóvel que não sei a quem pertencem, cartas e cartões de tanta gente. E organizá-los?! Em dossiers, por datas, com legendas. Com separadores, com capinhas plastificadas.
Um antigo namorado chegou a confidenciar-me: "gostava tanto que um dia fosses famosa. Para eu escrever a tua biografia! Tens aí a tua biografia toda". Devia tê-lo escrito num papelinho. Assim, teria lugar no dito dossier.

Em mudanças. Com chocolate.

"Uma jornalista. A América. Sentidos despertos. Toqueville na bagagem. Um diário americano." - Este era o texto de apresentação que motivou o nascimento deste blogue no Verão de 2011. Regressei da América já há uns meses. Não sabia o que fazer com o blogue. Encerrá-lo? Nem pensar. Deixá-lo murchar, como quem deixa de regar uma planta? Também não me agradou a ideia. Pensava nisto de vez em quando: "tenho que resolver aquela história". Era um assunto pendente, entre tantos outros que se acumulam na minha lista crescente de "to-do things" (ainda a influência americana).
Passei por aqui hoje, quase sem querer. Senti-me bem, tão bem, como quem regressa a casa e se entrega ao sofá. No mesmo instante decidi recuperar esta minha sala de estar. Nos outros blogues por onde ando (Elevador da Bica, Escrita Política, O Que Fica do Que Passa) escrevo sentada à secretária, de costas direitas, principalmente sobre política, tema que adoro.
Nesta minha sala de estar vou escrever sobre o que me apetecer. E escreverei da minha sala de estar, deste meu sofá. Descalça, escrevendo sobre a metafísica do mundo e comendo chocolates como a pequena da Tabacaria do Álvaro de Campos.
["Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão
[Chocolates.]
Sinto saudades de escrever. Sinto um impulso instantâneo para contar histórias. Apetece-me escrever sobre tudo. É o que me apetece fazer agora. Sinto-me hipercalórica. Escrever, escrever, escrever [Come chocolates, pequena; Come chocolates!]
Decidi manter este blogue com pequenas mudanças. Arrasto uns móveis, mudo umas prateleiras, uns quadros aqui e ali mas aqui mantenho o meu confortável sofá na minha sala de estar com vista para a metafísica do mundo.
E afinal, bastam umas pequenas mudanças no texto de apresentação. Continuo jornalista. Continuo com os sentidos despertos, cada vez mais. Na bagagem trago ainda Toqueville. E muitos, muitos outros. Continuo em viagem, todos os dias. De Americano a Metafísico, renasce aqui o meu diário. Já não é americano. Mas é o mais giro da minha rua.