sexta-feira, 30 de novembro de 2012

À espera

Passo os dias à espera. À espera que algo aconteça.
À espera que a água aqueça para o banho. À espera que páre de chover. À espera de um telefonema. À espera de uma resposta. À espera de uma entrevista. À espera de taxi. À espera que me atendam ao balcão. À espera do café quente que depois da espera quase vem frio e desmaiado. À espera nas filas de trânsito. À espera para o início de uma reunião. À espera do avião. À tua espera. À espera.
Tantas horas de espera. Todas as horas juntas de espera dão muito tempo. Tempo cheio de espera. Tempo de espera. Tempo de(s)espera.
Os dias de espera todos juntos davam outra vida.
Passo os dias à minha espera.


Coombs







sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Amiquê?

Uma das modernices mais populares é o pedido de amizade no Facebook. “O não-sei-quantos enviou-te um pedido de amizade”. E se eu aceitar, com apenas um clique, somos “amigos”. Já. Amigos instantâneos. Não é preciso esperar uns minutos. É imediato. Nem é necessário sequer juntar água ou descongelar no micro-ondas. “O não-sei-quantos agora é teu amigo”. Zás-trás! Mais um “amigo”.
Às vezes o pedido de amizade modernaço e instantâneo vem acompanhado por uma mensagem pessoal. Há dias recebi uma mensagem de uma pessoa que me pedia que aceitasse o “pedido de amisade” que tinha acabado de enviar. Li, reli. Pedido de “amisade”? “Amisade”? Com “s”?!
Não posso ser amiga de quem não sabe escrever amizade…
Quem troca o “z” pelo “s” na amizade não sabe do que fala. Quem troca o “z” pelo “s” na amizade há-de trocar-se também nos afectos. Quem troca o “z” pelo “s” na amizade é bem capaz de trocar “um-amigo” por “um-umbigo”.
As letras (as palavras) fazem a diferença. Ditas e escritas. Os afectos também. E a amizade não é apenas retórica. Ponto final parágrafo.


sábado, 17 de novembro de 2012

Ontem era para ter estado calada


Ontem era para ter estado de folga. Deitei-me tarde, já de madrugada, com a expectativa de que no dia seguinte não iria trabalhar, apesar de ser dia de semana. Relaxa-se de maneira diferente. A almofada tem outro cheiro, o colchão abraça-me melhor e os lençóis são mais suaves. 
Dormi bem, acordei descontraída. Estava a precisar de uma boa noite de sono. Mas uns telefonemas e mensagens em cima do meio-dia terminaram com a minha folga e com a minha boa disposição. Tinha que ir trabalhar a seguir ao almoço. 
Fiquei amuada e rezingona.
A folga deixou de ser folga. O dia passou a ser ainda mais cinzento. O meu dia passou a ser o dia de folga que tinha acabado de o ser e que tinha acabado de se transformar na mais irritante sexta-feira à tarde de chuva e trabalho.
Não jantei. Trabalhei até tarde na redacção. Continuava rezingona e amuada.
Recebi um telefonema de uma amiga, à noite. Desabafei todos os meus azares: de quase ter estado de folga, de quase ter tido um fim-de-semana prolongado, de ter deixado de estar de folga, de estar ainda a trabalhar, de não ter sequer jantado. E ainda por cima estava a chover.
- “Estou cansada. Farta!”
Silêncio no outro lado.
A minha amiga é jornalista. Está desempregada.
Silêncio no outro lado.
- “Já viste a tua sorte?”
Silêncio neste lado.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Morse especial

"Não digas nada, dá-me só a mão. Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega. (...)
Gostava tanto que ma apertasses três vezes, depois eu apertava três vezes, depois tu apertavas quatro vezes, depois eu apertava-te quatro vezes e ficávamos que tempos assim, num morse de namorados. Fantasias. Desejos. Se calhar sou uma pessoa carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo."

António Lobo Antunes, "Migalhas"


"A Catedral" - Auguste Rodin


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Il pleut. Alors on danse.

Il pleut.
Alors on danse.
Je danse.
Et toi?

Jack Vettriano

Quero. Preciso.

Quero.
Preciso.
Só hoje.
Chega-te mais para cá.
Só até adormecer.
Aí, aí mesmo...
Preciso de relaxar.
Só até adorm...





terça-feira, 13 de novembro de 2012

Primeira aula

Incentivada pelo entusiasmo que ganhei com o curso de Poesia Japonesa (e com os livros de Haiku que tenho devorado), perdi a cabeça e atirei-me para uma nova aventura! Comecei ontem a aprender Japonês, propriamente dito. Estou a frequentar um Curso de Língua e Cultura Japonesas.
Ontem fui à primeira aula. Somos poucos, uns sete ou oito, contando comigo.
Estava quentinho na sala, silencioso e acolhedor. Fui recebida com uma vénia. Uma senhora japonesa que sorriu quando entrei na sala e curvou-se ligeiramente, olhando para baixo. Hesitei, não sabia se tinha de fazer o mesmo... Disse apenas boa tarde. Sorri. Mas não baixei a cabeça.
Sentei-me na primeira fila. Abri o caderno novo - sem linhas, só folhas brancas - tirei a esferográfica e, em segundos, esqueci a Merkl, que tinha estado a acompanhar todo o dia, e o Passos Coelho e a crise e a política.
Respirei fundo, como quem oxigena o cérebro. Rodei os ombros para trás, mexi levemente o pescoço. Mudei o "chip". Olhei para ela, à minha frente, enquanto ainda entravam outros alunos.
A minha professora chama-se Yuko. Yuko Kase. Magra, pele branca, cabelo negro, baixa, um metro de sessenta talvez. Vinha de cabelo apanhado com um gancho no alto da cabeça.
Trazia uma saia colorida comprida de roda, abaixo do joelho. Meias grossas de lã, botas castanhas-mel pelo meio da canela. Uma camisola de gola alta cinzenta e um casaquinho de malha também colorido, verde vivo, quase verde bandeira, também de lã, abotoado até ao pescoço.
Dedos finos, mãos delicadas, gestos suaves. Sem jóias. Sem anéis. Sem brincos. Sem colares. E sorriso fácil. Olhinhos de japonesinha. Gosto da Professora Yuko.
Sinto que se abre uma nova janela para mim. Respiro fundo. Gosto desta janela.



domingo, 11 de novembro de 2012

Valsa de Outono

Entrou pela janela e quase não fez ruído, como uma bailarina em palco que nunca se ouve quando toca no chão após o salto. Pousou delicadamente no soalho de madeira e esperou que alguém a visse, que alguém com ela se metesse. Ali ficou, aquecendo-se ao sol de Domingo, tranquila, em silêncio algumas horas. Descansava depois de ter bailado no céu, ao ritmo do vento, uma valsa de Outono.
Observei, desde manhã, como as folhas hoje bailavam nos ares. O céu azul de veludo enquadrava o cenário. Algumas nuvens brancas ao longe, poucas. O palco é o ar, sem barreiras, sem espaço, sem pontos nem contra-pontos. A orquestra é o vento que as leva pela mão.
O ar sopra-lhes por baixo, elas ganham altitude, rodopiam, viram-se, cruzam-se, entrelaçam-se. O vento vira. O ar transforma-se. A dança vira também. E montam uma coreografia criativa sem ensaios. E sobem e descem. E tocam o chão, desafiam quem passeia a pé, escondem-se nos canteiros e nas bermas e nos passeios. Perseguem-se e depois fogem. E o vento sopra do lado de lá e voltam a subir e baralham os pássaros. E tocam-se no ar. Leves, airosas, brincalhonas, atrevidas. E o vento sopra do lado de cá e dão mais uma volta, e outra e outra ainda.
Em silêncio, ao sol. E sobem mais alto e descem em espiral. Uma dança quase oriental, serpenteando. O céu salpicado de tons de castanho, amarelo, quase laranja. Parecem serpentinas vibrantes. Um ritual da natureza.
Como escolhem as folhas de Outono os seus pares?
Uma cansou-se. Entrou-me em casa. Só a vi quando, ao anoitecer, fui fechar a janela. Ali estava, no soalho de madeira, descansando.
Perdeste o teu par?


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Tentação Japonesa

Hoje de manhã fui buscar à prateleira o meu caderninho de Poesia Japonesa. Vou regressar às aulas para fazer o nível 2 do curso. É estranho como há pequenos detalhes que fazem os nossos dias tão mais felizes.




quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Aos ditadores

Cospem verbos. Vomitam palavras que nem conhecem. Espumam insultos. Salivam raivas. Chutam ódios. Batem. Agridem. Ácido. Fecho os olhos. Tapo os ouvidos. Sai, sai, sai daqui! Saiam! Saiam todos. Caras feias. Olhos raiados de podridão. Parasitas. Ocos. Veias eriçadas que querem sair daqueles corpos moribundos. Maldade. Inveja. Poder nojento. Poderzinho autoritário. Sangue podre. Nojo. Ferrugem nas artérias. Mofo. Bolor. Rugas de maldade. Mau hálito. Bafo de tédio. Infelizes. Cadáveres de gente. Almas tristes. Insignificantes. Complexados. Pequeninos. Mentecaptos. Vazios. Mentirosos. Falsos. Desapareçam. Evaporem-se. Vão brincar aos poderzinhos para o crematório. Desapareçam, ditadores! Morram, morram todos. Matem-se uns aos outros. Pestilentos. Morram, velhacos. Gritaria. Párem! Caiam. Acéfalos. Medíocres. Estúpidos. O mundo não vos merece. Adeus.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Fumo

Cheiro(-te n)essa saudade como lenha numa fogueira
Por dentro
Quente

Um tronco que flutua
Oco
Frio

O rio faz o seu caminho sem olhar para trás
Com a certeza do
Rumo

Cheira a lenha queimada
Nevoeiro
Fumo

Duas margens separadas
Coexistem
Não uma sem a outra

Como a saudade
Consigo cheirar a saudade
Cheiro(-te ness)a saudade