segunda-feira, 27 de maio de 2013

O(xi)génio

Fui ao Museu Rainha Sofia em Madrid. Não propriamente apenas ao Museu ou por causa da colecção permanente, riquíssima aliás. Já ali estive noutras ocasiões, perdida perante o majestoso Guernica de Picasso ou curiosa perante a monumental sequência de obras sobre o papel da Mulher na Arte. O Rainha Sofia, ali mesmo junto ao Parque do Retiro, merece sempre uma visita.


Museu Rainha Sofia, fotografia Ana Catarina Santos


Mas desta vez fui de propósito por causa dele. Aquele homem de bigode afiado e olhar tresloucado que tanto me prende. Não percebo nada de arte, ou gosto ou não gosto. E eu gosto de Salvador Dali.



Museu Rainha Sofia, fotografia Ana Catarina Santos

A Exposição é temporária e está acessível apenas até ao próximo dia 2 de Setembro 2013. E é imperdível. Vale a pena uma visita a Madrid só para conhecer esta Exposição: "Dali - todas as sugestões poéticas e todas as possibilidades plásticas".



Museu Rainha Sofia - exterior, fotografia Ana Catarina Santos

O bom desta Exposição começa no lado de fora do Museu. É uma festa! A Arte e a Cultura chamam milhares de pessoas ao Museu. Há famílias inteiras nas filas, há jovens e velhos, há quem partilhe chapéus e águas frescas, há quem brinque, há quem saltite nos degraus, há quem pinte, há quem represente pequenos trechos de peças de teatro, há caricaturas, há música. Há uma alegria que faz com quem nem se dê pelo tempo passar.
Se é verdade que as enormes filas à primeira vista assustam um pouco, também é um facto que a fila diminui rapidamente. E em meia hora ou, no máximo, 45 minutos estamos dentro do Museu.


Museu Rainha Sofia - exterior, fotografia Ana Catarina Santos

Uma vez lá dentro, com ou sem áudio-guia, faz-se outra festa. O edifício é lindíssimo, arejado, cheio de luz, fresco, corredores longos e inspiradores. Três pisos com muita informação, tudo bem organizado, dividido por colecções, com sugestões de percursos assinalados no chão, locais para descansar, elevadores de vidros transparentes que nos oferecem vistas de Madrid, exteriores ao Museu.

Sigo as pistas que me levam à colecção de Dali, como uma criança a entrar num castelo encantado. Há magia. Dali entra em mim como um balão de oxigénio para a mente e para os sentidos. Oxigénio. Inspiro. Sinto-o. Génio Salvador Dali.


Museu Rainha Sofia - Pormenor da Assinatura de Salvador Dali
Fotografia Ana Catarina Santos





Deseo


Deseo

Sólo tu corazón caliente,
y nada más.

Mi paraíso un campo
sin ruiseñor
ni liras,
con un río discreto
y una fuentecilla.

Sin la espuela del viento
sobre la fronda,
ni la estrella que quiere
ser hoja.

Una enorme luz
que fuera
luciérnaga
de otra,
en un campo
de miradas rotas.

Un reposo claro
y allí nuestros besos,
lunares sonoros
del eco,
se abrirían muy lejos.

Y tu corazón caliente,
nada más.


Federico García Lorca


Salvador Dali






terça-feira, 21 de maio de 2013

Palhaços, eles


De dez em dez metros, em alguns casos talvez de vinte em vinte, vi pessoas a pedir dinheiro nas ruas. Umas de braço estendido, outras esperando apenas, olhando para baixo, sem interpelarem quem passa. Pessoas de braço estendido. Madrid sente nas veias o desemprego e a pobreza. Tanta gente a pedir esmola…

Vi um palhaço triste. Não estava a actuar para as crianças. Nem estava a fazer ninguém rir. Estava triste. Um homem vestido de palhaço, a pedir esmola.

Estava sentado no banco alto de madeira, com um pé no chão e outro na trave do banco de pinho claro. Sapatos vermelhos, tamanho 52 talvez. Sapatos grandes, de palhaço.

Tinha a cara pintada de branco, como os palhaços. Um nariz vermelho de palhaço. Uma peruca com caracóis verdes, amarelos e azuis, de palhaço. Olhos meigos. Rugas no rosto. 

No chão, junto ao banco de madeira, mostrava um cartaz escrito em papelão. “Tengo hambre”. Hoje não consigo fazer-vos rir. Tenho fome. Dá-me um sorriso. 



quinta-feira, 16 de maio de 2013

Por las calles de Madrid


Estive em Madrid e, mais uma vez, “renovei votos” com a cidade. Adoro a energia que transmite, a alegria das avenidas, a naturalidade das pessoas, o falar alto, o tratarem-te por tu, as mulheres arranjadas, os narizes orgulhosos, as gargalhas, os cigarros acesos como se fossem a extensão natural das mãos, as ruas cheias de gente, a luminosidade.

Mas Madrid tem, agora, outras pessoas. Ou talvez sejam as mesmas, mas sem gargalharem e gesticularem de caña na mão encostadas à barra de tapas. Madrid tem mais, muito mais, pessoas que estão sem-abrigo. Nunca vi tanta gente a dormir na rua como vi por estes dias em Madrid. A crise tem rostos, não existe apenas nos mapas estatísticos dos gabinetes.

Não gosto de olhar quem dorme na rua, olhos nos olhos. Sinto-me uma invasora. É como se estivesse a espreitar para dentro de casa de alguém. Não paro para olhar. Mas, de soslaio, à medida que percorria as ruas do centro, de dez em dez metros lá estava um monte de mantas, sacos, papelão. E pessoas. Várias. Espalhadas pela cidade. Pessoas. Vi casais. Vi pessoas sozinhas. Como eu, como tu. Pessoas sem tecto. Pessoas sem casa.

Numa das esquinas junto à Praça Callao, em plena Gran Via, passei por ela várias vezes. Uma pessoa a quem nunca vi o rosto. Não sei se mulher ou homem, não sei se nova ou velha. Uma pessoa. Por baixo das mantas enxovalhadas vi a ponta de um par de chinelos de plástico que pareciam ser um número pequeno – um 36 ou 37, talvez. E vi uma caixa de madeira que, outrora, teria transportado fruta fresca para um mercado. Servia de mesa-de-cabeceira. Estava virada ao contrário. Por baixo da caixa, havia alguns objectos pessoais. Ao lado, encostada à parede, estava uma vassoura com um pano amarelo enrolado, terminando com um nó.

Aquela pessoa vive ali, não tinha apenas passado ali aquela noite. Aquela pessoa não tem casa, mas já teve e quer voltar a ter. Que ironia… A crise que empurrou aquela pessoa para a rua é a mesma que mantém incomportáveis os preços das casas e blindado o acesso ao crédito.

Bendita a opção de, uma vez na rua, ter ido viver para a avenida mais cara da cidade. Um metro quadrado na Gran Via ronda os seis mil euros. Aquela pessoa deitada juntamente com os respectivos pertences, ocupariam uns bons doze mil euros.

Todos os sem-abrigo de Espanha deviam rumar à Gran Via! Todos! Ocupariam cada metro quadrado daquela avenida de ouro, para envergonharem os políticos, os banqueiros, os especuladores, os ladrões que passam nos Mercedes, fumando charutos pagos com a miséria dos outros.

Todos os sem-abrigo à Gran Via! Todos os sem-tecto à Gran Via! Afinal, um T0 na Gran Via custa apenas doze mil euros. A avenida-postal de Madrid transformar-se-ia numa manta de retalhos de pessoas que foram postas na rua. Já que estão (estamos) na rua, ao menos que estejam(os) na mais cara.



quinta-feira, 9 de maio de 2013

39 dias depois

Já passou demasiado tempo desde a última vez que nos vimos. 1 de Abril. Parece mentira… De cada vez que nos encontramos, renovamos promessas. Que vamos ver-nos mais vezes, que temos de marcar – não, não é preciso marcar, basta aparecermos, será sempre uma alegria; que temos de conversar mais, conviver mais. É sempre assim. E, vê bem, passaram 39 dias. Como é possível?
Mas é bom, mesmo passado esse tempo, chegar aqui para te reencontrar, sem aviso prévio, e sentir-te de braços abertos e sorriso escancarado. Gosto mesmo de estar aqui contigo.