terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ao Poeta António Ramos Rosa

O senhor é um bandido. Morrer numa altura destas, seu atrevido?! E logo agora que eu precisava tanto de si. Eu, não. Nós! Nós precisamos de si. Nós todos! Mais do que nunca. É em tempos de crise e incerteza que mais precisamos de homens como o senhor.

Nunca consegui tratá-lo por tu. Bem sei, bem sei, que sempre insistia para que o tratasse com menos formalismo. Mas não consigo. Nunca consegui. Desde o primeiro dia que lhe guardo um enorme respeito e adoração, como sabe. Como, de resto, lhe disse várias vezes olhos nos olhos.

Gostei de si logo na primeira vez que o ouvi dito (e bem dito), entoado e encorpado pela voz aveludada e cheia do nosso querido Fernando Alves (bendito). Gostei tanto, tanto, de si logo naquele primeiro dia.

O senhor é, de facto, um grande Poeta... Que letras, que intensidade, que poder, que força, que artesão da palavra, que escrita, que arte, que poesia... Que maravilha... Que grande Poeta o senhor Ramos Rosa me saiu, sim senhor...

(Não insista, Poeta, não consigo mesmo tratá-lo por tu.)

Todas as noites, no beijo nocturno que me dá quando leio os seus versos, o senhor sussurra-me a vida. A vida toda nas suas letras. Um sussurro bom mesmo, mesmo antes de dormir.

Não adormeço bem se não vou lá espreitá-lo e dizer - nem que seja - um até amanhã. Às vezes acordo-o no meio das minhas insónias.
- "Desculpe, senhor Poeta... Não devia acordá-lo assim sem mais nem menos, a meio da noite, mas não resisto."
Quando acordo pela madrugada ou estou demasiado agitada, bato-lhe ao livro.
Truz-truz.
- "Pode serenar-me?"

Tenho sempre de ir lá roubar-lhe um beijo de boa noite. Tenho de tocar as suas letras e pedir, baixinho, que me aconchegue na cama. Tenho de passá-lo pelos olhos para colorir os meus sonhos. Tenho de cheirar-lhe a escrita para florir de alfazema os meus lençóis.

E agora, vai-se embora, seu bandido? Sempre a brincar com os sentimentos dos outros. Vá, deixe-se de fitas e não saia daqui. Deixe-se disso...

Venha cá. Fique aqui, meu querido Poeta. É urgente que fique...

Os Poetas não morrem. O senhor será sempre o meu Ramos Rosa. O senhor será sempre o meu Nobel da minha academia sueca da mesa de cabeceira. O senhor será sempre o mais querido dos meus Poetas. O meu querido algarvio...

Venha, vá... Está na minha hora de dormir. Vá, já é tardíssimo... Chegue aqui... Ande cá, seu teimoso. Vá... Logo hoje, que estou tão agitada. Preciso tanto de si.

Truz-truz
- "Senhor Poeta? Está aí?"






quinta-feira, 12 de setembro de 2013

S

Encontrei um S na rua. Mas não era um S qualquer. Era um S grande que brilhava imenso na calçada, ao sol. Um S prateado, bem torneado, com um tracinho em cada ponta. Como quem sabe exactamente até onde pode ir. Sabe que aquele seu S termina ali. Um S bem definido. Achatado reluzindo ao sol.

Um S perdido. Andaria à procura do quê, aquele S?

Bem, na verdade, não sei se aquele S estaria perdido. Podia apenas querer estar ali. Parado a aquecer-se ao sol. Se andasse perdido, porventura, estaria desesperado. Pediria ajuda a quem passa, gritaria pelo O e pelo outro S. Mas não. Aquele S talvez não estivesse perdido. Pareceu-me um S cheio de si, ali sozinho, ao sol.

Teria andado colado a algum pescoço? Pendurado num fio? Podia ter-se cansado da pele humana, talvez até do suor. “Ai, esta pele deste pescoço dá-me calor. Vou-me embora!” Talvez não gostasse do cheiro da pele da pessoa que o trazia. Talvez os S’s sejam demasiados sensíveis ao cheiro. Fartou-se. Foi à vida dele.

Estaria junto a outras letras? Seria a primeira de várias letras de um nome? Sim, porque aquele S, tão robusto, não me parece que seja S para ficar no meio ou no fim de um nome. É um S com ar de maiúscula. Um S com pose de inicial.

Agachei-me junto ao S para o ver mais de perto. Um S de prata, cheio de si, cheio de pose. Sozinho na praça forrada a calçada portuguesa. Era bonito, o raio do S... 
- “Estás a olhar para o quê?”, desafiou-me.
- “Estás só?”, perguntei-lhe a medo.
- “Não. Vês aqui algum ó?”



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Gerúndios de Setembro

Setembro é o primeiro dos gerúndios nos meses do ano. Setembro é gerúndio. É ir fazendo. É ir entrando. É ir recomeçando. É Setembro. Setembrando. Com calma. Sentindo a temperatura a baixar. Com tranquilidade. Apertando os dias. Com sabores mais quentes. Vestindo as primeiras malhas. Olhando o pôr-do-sol de frente. Cantando. Espreitando as estrelas mais cedo. Sorrindo. Setembro. Com tempo. Temperando.