terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Lista de espera

Entrou com pés de lã, como se apenas tivesse entrado uma sombra.
- Boa tarde, sussurrou baixinho.
- Olá, boa tarde. Diga.
Uma pausa. A chuva a bater na janela com mais força. Ambos os olhares apontam para lá.
- Diga, menina - insiste a mulher ao balcão.
- Precisava que me marcasse uma hora para sonhar.
- Para esta semana já não dá.
- Nem no Domingo?

Enchanted Dolls - Marina Bychkova

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Jura

Cada vez que ouço a palavra "juro" penso sempre, à primeira impressão, que as pessoas que a dizem estão a mentir ou, pelo menos, a roçar a mentira.

As crianças dizem "juro" para garantirem aos pais e aos professores desconfiados, porventura com motivos, que não fizeram nada de errado. Mas os adultos não deviam dizer "juro" a não ser em Tribunal ou perante a Constituição da República.

Quando, a meio de uma conversa, me dizem "juro" ou me perguntam "jura?" apetece-me virar as costas. Jurar? Mas jurar porquê? A palavra não chega? Não acreditam no que se está a dizer?

Jurar o que se está a dizer é oferecer uma garantia caso o que se disse antes não seja verdade. É uma garantia verbal ao que a mesma pessoa acabou de dizer. Dita pela mesma pessoa. É um reforço de verdade como se a verdade existisse apenas em meias doses. É, portanto, uma irónica contradição.

- “Comprei isto por mil euros.”
- “Por mil euros? Só?! Não pode ser.”
- “Juro!”

Se não dissesse “juro” a outra pessoa não acreditaria? Só passou a acreditar depois de ter ouvido a palavra mágica? Uma palavra de valor reforçado que, no limite, pode também servir para reforçar uma mentira caso a primeira seja mentira também.

Qual a origem de "jurar"?
De juro ou juros? Bem sei que não, mas se fosse isso seria mesmo mau. Devia sempre ser evitado.
Se "jurar" vier de juridict, aceito que se aplique às questões ligadas à Justiça. Jurar dizer a verdade, apenas a verdade e nada mais do que a verdade. A justiça vive de rituais que devem ser preservados.

Mas, na verdade, a origem etimológica da palavra é do latim jurāre, ou seja dizer de forma única e definitiva.

Mas terá mais força uma palavra única como:
“Amo-te”
Ou uma frase de “valor reforçado” como:
“Juro que te amo”? 



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Na penumbra da noite

o mundo pararia
as ondas rebentariam mudas
o vento adormeceria
as árvores bailariam em pontas

só as estrelas cintilariam
sem ruído
só luz distante

e na penumbra da noite divina
a magia única
da tua respiração
          [a meu lado]


In the mood for love - Wong Kar-Wai





segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Não se conhecem

Não se conhecem, nunca se viram. Cruzam-se casualmente.
Ele repara na mulher que tem à sua frente. Ela ainda não o viu. Ele fica siderado. Não tira os olhos dela. Ela vê um homem à sua frente. Não propriamente um homem. Vê uns olhos de homem parados, brilhantes, fixados em si. 
Estão de frente um para o outro, porque aquele era o rumo que cada um seguia. 
Ele caminha na direcção dela. Ela repara que ele o fixa. Olha-o, discretamente, ainda de longe. Ele não pára de a olhar e procura que ela se fixe nele. Ela desvia o olhar, inibida, enquanto caminha. Mas ela sabe que ele continua a fixá-la. 
Nenhum desvia o trajecto. Vão-se aproximando. Nada existe à sua volta, nem trânsito, nem carros, nem lojas, nem árvores, nem outras pessoas. Só um e outro, quase em câmara lenta. Só os olhos de um e os olhos de outro. 
Ele abranda o passo. Ar suspenso. Estão a segundos de se cruzarem. 
Ela volta a olhá-lo. Um metro separa-os. Já quase sentem o cheiro um do outro. Ele cede e rende-se. Sorri, perdido. Ela responde com um leve trejeito de lábios. Um quase, quase sorriso. 
Menos de um metro. Ela mexe no cabelo. Ele pára à sua frente. 
- Se fosse num filme, agora oferecia-te uma flor.

Robot android woman holding a red rose (at Shutterstock)






sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Say something




Say something, I'm giving up on you
I'll be the one, if you want me to
Anywhere, I would've followed you
Say something, I'm giving up on you

And I am feeling so small
It was over my head
I know nothing at all

And I will stumble and fall
I'm still learning to love
Just starting to crawl

Say something, I'm giving up on you
I'm sorry that I couldn't get to you
Anywhere, I would've followed you
Say something, I'm giving up on you

And I will swallow my pride
You're the one that I love
And I'm saying goodbye

Say something, I'm giving up on you
And I'm sorry that I couldn't get to you
And anywhere, I would have followed you
Oh-oh-oh-oh say something, I'm giving up on you

Say something, I'm giving up on you
Say something

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Promessas

Não sou de grandes promessas. Aliás, nem grandes nem pequenas. Não sou de promessas, simplesmente.

O início do ano provoca-nos atitudes ritualizadas de prometermos a cada passa que engolimos, distraídos, à passagem das badaladas da meia-noite, um objectivo. Também não aprecio propriamente passas de uva. Gosto de uvas e de vinho, mas não especialmente de passas. Talvez isso justifique que nem sempre coma as doze na passagem de ano.

Na verdade, também não penso previamente nos doze desejos ou “promessas” que é suposto fazermos à meia-noite. Se calha a ter passas à mão, à meia-noite, como algumas. Se ninguém as tiver, não dou pela falta.

Doze badaladas. Gritos, champanhe, abraços, sorrisos. E o pensamento sincronizado com a data. 

Às vezes, confesso, penso num ou noutro desejo. Mas na verdade, penso em pessoas. Sim, à meia-noite pensei em pessoas. Mas continuo todo o ano a pensar nelas. Para mim, é fim de ano todo o ano.



sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Caminharemos

Tenho sempre a sensação que me olhas de lado sempre que regresso depois de uns dias sem passar por aqui. Passaram poucos dias, aliás. Nem compreendo esse olhar de soslaio... Devias estar feliz, isso sim! Há blogues que acabam na viragem do ano, sabes disso, não sabes? Devias dar-te por satisfeito porque, obviamente, vais continuar em grande actividade em 2014.
Nunca vi um Diário com tamanha necessidade de atenção. Fiteiro!
Já sabes que por estes dias foi Natal, foi o Fim de Ano, as reuniões familiares, os jantares de amigos, e houve os fritos e os chocolates e o fogo de artifício e as passas. Não é que não me lembrasse de ti quase todos os dias, cheia de vontade de te tocar e de te contar tantas coisas. Mas, olha, não deu! Aqui estou a redimir-me. Desculpa. Prometo dar-te (ainda) mais atenção este ano.
Feliz Ano novo, querido Metafísico! Caminharemos juntos, também, em 2014.