terça-feira, 29 de abril de 2014

Ao natural [Da natureza é o amor]

Chegaste
Devagar como a maré vazia
Falaste
Como o rouxinol nocturno
Entraste
Como aromas do campo Alentejano
Envolveste
Como a leve brisa da tarde
Abraçaste
Com a firmeza da lava quente
Mordeste
Com a certeza de uma pantera
Beijaste
Com o veludo do anoitecer
Sorriste
Como o brilho de uma estrela
Suaste
Como o orvalho sobre uma orquídea
Penetraste
Com a potência de um sismo
Escorreste
Como um rio selvagem 
Nu [cru] 
Como só tu 




quinta-feira, 24 de abril de 2014

Um dia histórico

Chorar de emoção quando se termina uma emissão de Rádio não tem preço…
A TSF foi hoje arrojada, inovadora, atrevida, maravilhosa, poética, libertadora. A TSF foi “ocupada” pela voz da Cidadania para sublinhar a importância da Palavra, da Verdade, da Liberdade.
Com orgulho fui parte activa nesta iniciativa e com humildade aceito as críticas de quem não gostou deste “grito”. 
A Rádio sempre esteve associada aos grandes movimentos da História. E hoje, perdoem-me a imodéstia, fez-se história na Rádio. Foi um dos meus dias mais felizes na Rádio, a nossa grande Casa das Palavras.
Obrigada, Amada Rádio...*



Em frente ao Edifício Altejo, Lisboa, sede da TSF



Concentração "Pela Palavra" na Rua 3 da Matinha, junto à entrada do Edifício



Reportagem em Directo de um protesto/celebração "Pela Palavra"



Manifestantes começam a entrar no Edifício. TSF acompanha em Directo



Com os Livros erguidos gritando "não somos números, somos pessoas",
entram pacificamente no Edifício Altejo, distribuindo flores



Sobem as escadas, entram nos elevadores, até nos elevadores de carga,
e "invadem", orgulhosos, o Edifício Altejo até ao piso da TSF



Não páram de chegar. São homens e mulheres, velhos e crianças, de várias localidades.
Há pessoas ainda à porta a tentar entrar na "Casa das Palavras"



Querem entrar na Redacção e nos Estúdios. O Director da TSF começa
por tentar evitar a "invasão" mas acaba por ceder e autorizá-los a
entrar pacífica e ordeiramente na Redacção



Lêem excertos de livros de Autores portugueses.
Repetem palavras e respectivas definições em Dicionários.
Gritam passagens e Artigos da Constituição da República Portuguesa.



Esticam cordas nas paredes da Redacção e penduram letras e palavras. Há um
estendal de letras soltas que vão formando novas palavras como "abensonhada"



Momentos de emoção e alegria, num protesto celebrado
pela Voz dos que não são ouvidos



Uns passeavam descalços, outros em tronco nu, outros tinham terra nos punhos,
outros ainda tinham argila na cara. Uns liam Torga, outros Natália Correia,
outros Al Berto, Saramago, Pessoa, Vergílio Ferreira. Palavras à solta...


Liberdade. Hoje e sempre.



Enquanto as palavras invadiam a Casa da Rádio, os acordes musicavam a Poesia


Mágico. Histórico. Emocionante. Genial. Único.



* Parabéns ao Grupo de Teatro "O Bando" pelo trabalho excepcional. E Parabéns ao genial Fernando Alves, autor da ideia.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Há quem passe

Ouvido hoje na Rádio, Leon Tolstoi, citado por Fernando Alves:
"Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira".



segunda-feira, 14 de abril de 2014

La vida

Así es, suspiró el coronel. La vida es la cosa mejor que se ha inventado.


Gabriel Garcia Marquez

quarta-feira, 9 de abril de 2014

O que queres

Se é domingo, preferes sábado. 
Se é praia, escolhes campo. 
Se há doce, queres salgado. 
Se está sol, queixas-te de calor. 
Se chove, anseias por sol. 
Se dormes, não queres perder tempo. 
Se trabalhas demais, exiges descanso. 
Se te preocupas, queres relaxar. 
Se te desleixas, procuras o foco.
Se lês um livro, já pensas noutro.
Se andas, queres correr.
Se queres chá, pedes café. 
Se tomas duche, preferes banho.
Se dás um beijo, queres dar mais. 
Se queres viver... Vive.



quinta-feira, 3 de abril de 2014

A pessoa sozinha

Era uma pessoa sozinha. Pelo menos, estava sozinha esta noite. Atravessou, muito devagar, a estrada até meio. Parou no separador central junto a uns arbustos da sua altura.

Reparei nela quando espreitei a rua da minha janela, já perto da meia-noite. Estava frio e chovia. A pessoa sozinha ficou parada no pedaço de terreno que separa os dois sentidos da estrada. A pessoa não se mexia. Pensei que estivesse simplesmente à espera que os carros a deixassem atravessar a outra metade da estrada que lhe faltava. Mas não havia carros, nem para um lado nem para outro. E a pessoa ali estava, parada. Sozinha. De pé, a meio da estrada. Junto ao separador. Como um arbusto de pé. Com raízes na lama fria.

Vestia um casaco escuro, talvez negro, com um capucho que lhe tapava a testa e quase os olhos. Usava umas calças escuras e trazia calçados uns sapatos também escuros, talvez botas. O seu corpo encharcado, na noite escura, confundia-se com os arbustos molhados. Nenhum carro passou. A pessoa sozinha não atravessava porque não queria. Ali ficou uns minutos, não sei bem quantos.

Não consegui afastar-me da janela. Os vidros embaciavam com as minhas interrogações: quem é esta pessoa, por que está sozinha, por que está à chuva, por que não atravessa, por que não se abriga, por que não corre para o telheiro, o que espera, o que pensa, que lhe ocorre, o que lhe passou, quem é, que vida tem, o que precisa, quererá estar sozinha…

Os arbustos eram a sua única companhia. Até a chuva parecia estar espantada... Amaciou ligeiramente.

As luzes amarelas de dois faróis. Passou um carro devagar. Não viu a pessoa sozinha, nem sequer abrandou. Talvez a tivesse salpicado mais ainda. Limpei o vidro embaciado da janela, pois não conseguia ver com nitidez. Pareceu-me ver algum movimento junto aos arbustos. Sim, a pessoa sozinha moveu-se um pouco. Deu um passo. E outro. Aproximou-se da estrada. Ajeitou o capucho com a mão direita, olhou para o fundo da estrada, confirmou que não vinha ninguém e atravessou. A pessoa quase não andava. Arrastava os pés. Devagar, devagar, devagar. À chuva, de cabeça em baixo.

A pessoa sozinha trazia um saco de plástico enrolado na mão esquerda. Devia ter alguma coisa lá dentro, documentos, a carteira talvez. Não sei. O saco cobria algo que era pouco maior que a sua mão. Deslocou-se lentamente, encharcada, à chuva até pisar o passeio no lado de cá. Estava a uns trinta metros da minha janela. Num impulso abri a janela e pensei gritar-lhe para perguntar se precisava de ajuda. A pessoa sozinha seguia de cabeça baixa.

Com a janela aberta o silêncio fresco da noite entrou-me em casa. E com a chuva sustida, reprimida de espanto, ouvi a pessoa sozinha a chorar. Mas era um choro sem igual. Um chorar violento, um gemido que era uma lâmina, uma dor vulcânica, lágrimas de lava, um chorar ardente de alma toda. Não há choro maior que o choro de alma toda. A pessoa sozinha desabava à chuva. Desmoronava-se.

Há dores que não cabem no peito de uma pessoa sozinha.






terça-feira, 1 de abril de 2014

Maldito Rádio






Não, de novo não
Não quero ouvir não
Agora não

Não, de novo não
Não quero ouvir não
Agora não

Maldito rádio
Agora que parecia que eu ia
Deixar um falso amor lá na memória
Agora que parecia que ia ser agora

Não é momento
De machucar meu coração com melodias
Maldito rádio não me faça pensar nela
Volte pras notícias
Para o hit da nova novela

Maldito rádio... maldito rádio
Maldito rádio... maldito rádio

Não, de novo não
Não quero ouvir não
Agora não

Maldito rádio
Agora que parecia que eu ia
Mudar de vez o curso dessa história
Agora que parecia que ia ser agora

Não é momento
De reprisar canções que são só minhas
Maldito rádio não me faça pensar nela
Volte pros anúncios
Para o hit da nova novela

Maldito rádio... maldito rádio
Maldito rádio... maldito rádio

Não, de novo não
Não quero ouvir não
Agora não...