sexta-feira, 13 de junho de 2014

Sobrevivência

O darwinismo social está mais vivo do que nunca. Ou és o melhor ou morres. Sendo que o conceito de "o melhor" é altamente subjectivo. Podes ser o melhor a engraxar o chefe e assim serás verdadeiramente "o melhor". Se fores o melhor a trabalhar e incomodares o chefe, serás "o pior" - o verme a extinguir, o cancro que prejudica a evolução dos melhores.

Os melhores são os mais capazes. E, nestes novos tempos de darwinismo social, os melhores sobrevivem sempre. Saem sempre bem. Por cima. Em cima dos outros.

Os darwinistas sociais estão a liderar as organizações. Mas nunca ouviram sequer falar em Darwin. Ou terão ouvido vagamente. Porque nunca o estudaram, nem percebem o alcance. Porque nunca leram história, nem história social, nem sociologia, nem história económica, nem política social, nem políticas públicas, nem antropologia cultural, nem filosofia, nem psicologia social, nem sociologia urbana, nem demografia, nem ecologia, nem história das ideias políticas, nem direito, nem direito constitucional, nem direitos humanos, nem quaisquer outras ciências sociais. Porque isso não é ensinado nos MBA's (os que os têm, os que os compraram).

Os darwinistas sociais que estão a liderar as organizações e a sociedade não têm a noção de que a luta pela sobrevivência individualista vai matar a própria sociedade. Não sabem porque não páram para pensar no que estão a fazer. Não sabem que por detrás da competição individualista estão tiques de autoritarismo e de deriva anti-social, que podem culminar numa luta extrema pela sobrevivência. No limite, há-de matá-los também.

Os darwinistas sociais não querem pensar nas consequências dos seus actos. Pensar fá-los perder tempo. Não querem perder tempo no que pode estar para vir. Porque acham que os fracos nunca vão ter força para os derrubar. Os fracos, mesmo muitos, não constituem ameaça. Porque dos fracos, pensam eles, não reza a história. Mas os fracos são cada vez mais. E eles não sabem disso, porque não páram para pensar.

Os darwinistas sociais fazem o seu trabalho. Limpinho. O das saídas limpas ou o das negociações sujas. O que interessa é fazer o que tem que ser feito. Com dor, reconhecem falsamente combalidos, mas é o que tem que ser feito. Não se incomodam com os que ficam pelo caminho. Mesmo sendo pessoas. Porque os que ficam pelo caminho são os fracos.

A sociedade não quer saber dos fracos. Os darwinistas sociais estão de consciência tranquila. Fizeram o que tinha de ser feito. Fazem o que tem de ser feito. Se a natureza não elimina os fracos por si só, nós os fortes fazemos o que tem de ser feito. Seus fracos, orientem-se. Façam-se à vida. Morram. Longe.










terça-feira, 3 de junho de 2014

Fontes políticas... De notas falsas

As caixas multibanco têm mecanismos anti-roubo para evitarem que, uma vez roubadas as notas, o dinheiro circule impunemente. Para isso, perante o assalto, a máquina dispara automaticamente uma tinta vermelha de modo a tingir as notas que, uma vez pintadas, ficam inutilizadas.

Ora, no jornalismo devia haver mecanismos semelhantes.

Sempre houve fontes e jornalistas e sempre houve fluxo de informação com maior ou menor atrito, mas estas são as regras do jogo. Nem sempre a relação é fácil, mas não é isso que está em análise neste texto.

Por estes dias, em plena crise do PS e em pleno ataque do Governo ao Tribunal Constitucional, como acontece sempre em momentos de maior nervosismo político, vários protagonistas e actores políticos querem “meter na imprensa” as suas histórias. Ou as suas versões dos factos.

Porém, na maior parte dos casos, o que se constata é que fazem da imprensa e dos jornalistas apenas o amplificador das suas mensagens, o altifalante das suas convicções, os transmissores das suas opiniões, os moços dos recados das suas intenções.

É curioso verificar como, apesar de tudo, ainda há quem consiga dar a golpada e usar a imprensa para publicar informação que, na maior parte dos casos, é apenas tralha para confundir as pessoas e espuma encardida sob a forma de notícia.

Há expressões ou palavras facilmente identificáveis nesses textos. Deixaram uma marca. Ficam impressas as marcas digitais das “fontes” que tentaram (e conseguiram) vender essas “notícias”.

As fontes podiam ser mais criativas, por exemplo, ao não repetirem “chavões” a vários jornalistas, sob pena de, após a publicação, todos saberem quem são uns e quem são outros. E os jornalistas deviam ser mais exigentes e fazer o seu trabalho, em vez de publicarem "sem tirar nem pôr" a história tal como lhes foi passada.

É nesses momentos que devia haver um sistema de alarme semelhante ao das caixas multibanco. Deviam ser accionados mecanismos de alerta automáticos também na imprensa. Desse modo, essas "notícias" seriam tingidas com uma indisfarçável mancha vermelha, para todos os leitores saberem que ali houve um assalto. De ética.


domingo, 1 de junho de 2014

Livros gulosos

Inês e a mãe. Fim de tarde. Alto do Parque Eduardo Sétimo. Lisboa.
- Oh, mamã... Só mais este.
E a mãe respondia, embaraçada perante a senhora que as mirava do lado de trás do balcão.
- Não pode ser, querida. Já levas três.
- Mas tu prometeste, mamã... Hoje é o dia da criança... Disseste que eu podia escolher. Tu disseste. Tu prometeste.
A mãe, surpreendida com a capacidade de argumentação da criança, não teve resposta pronta.
- Vês, vês, tu sabes que eu tenho razão - insistiu a criança perante a nesga de parte fraca involuntariamente mostrada pela mãe.
- Inês... Mas tu já escolheste, filha. Essa é a tua prenda. Aliás, já tens aí três livros. São três prendas!
- Oh, mamãzinha... Só mais este.
O "mamãzinha" demoliu a frágil barreira que ainda existia na racionalidade emocional daquela mãe. Afinal, a criança não pedia doces. Pedia livros. A senhora do lado de trás do balão sorria.
A mãe da Inês não aguentou.
- Vá, só mais este. Tu realmente...
A criança deu um pequeno grito de alegria.
- És a maior, mamãzinha! Obrigada mamãzinha!
Estava tão feliz. Creio que a mãe também.
Há quem peça livros como quem pede doces. Que maravilhosa guloseima...


Fotografia de Ana Catarina Santos, Feira do Livro 2014