domingo, 24 de março de 2013

Quase como na primeira vez

Estou a poucas horas de cumprir um grande sonho. Há muito, muito tempo que sonho com esta viagem. Sinto-me como se fosse viajar pela primeira vez. Nervosa, ansiosa, só sorrisos.

A minha primeira viagem de avião foi a Cuba. Ainda era tudo Fidel, só Fidel. Viajei na companhia Air Cubana que, à data, era a mais barata. Uma alegria. Cantar, rir, falar, medo, nervos, sono, magia, ar, céu, amigos, altura, sem rede.

Ninguém dormiu. Estava uma animação naquele avião que não podia imaginar. Ainda foi no tempo em que se fumava no avião e, como boa companhia de bandeira, as simpáticas hospedeiras cubanas ofereciam charutos a quem quisesse. Não pedi, nem fumei. Mas parece que ainda hoje sinto a nuvem de fumaça dos cubanos entrenhada em mim. Não me incomoda, não protestei e até achei piada.

Além de charutos as hospedeiras vestidas de azul, branco e vermelho também ofereciam rum. Um rum "da casa", muito manhoso, em copos de plástico. Esse, não rejeitei.

A ferrugem que se via junto às janelas serviu para os meus amigos me atormentarem toda a viagem. E gritavam "vamos cair, vamos cair!" de cada vez que uma turbulência interrompia as nossas gargalhadas. Eu olhava pela janela e só me fixava na ferrugem junto ao vidro. "E se há ferrugem também no motor!", perguntava-me querendo manter o sorriso exterior.


"Un Ron más?"
"Si, gracias. Como no?"

(O Rum era horrível, amarelo, quase detergente. Também acho que foi a primeira vez que bebi Rum. Pelo menos amarelo com sabor a Super Pop Limão.)

Foi uma viagem inesquecível a todos os níveis, a bordo da mítica Air Cubana. Habana abraçou-me com todo o calor e alegria e ainda hoje guardo Cuba no coração.

Lembro-me que a ansiedade que tinha na véspera de embarcar para Cuba é muito semelhante à que sinto hoje. Não tem a ver com o receio de andar pela primeira vez de avião, que à data. Tem a ver com a alegria da partida, com a aventura, com o fazer as malas eufórica, com o desconhecido, com o improviso, com o enriquecimento pessoal, com o crescer, com o sentir a vida.

Sinto, por estas horas, a mesma euforia. Tão feliz...

A tentação do Oriente acompanha-me há demasiado tempo para tê-la subestimado sucessivamente. Estou ansiosa por aterrar na terra do Sol Nascente.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Hanami Matsuri

Hanami Matsuri – o festival das flores de cerejeira

O Hanami Festival significa “contemplar ou apreciar” as flores de cerejeira, ou Sakura como é chamado no Japão. Nesta época, entre fim de Março e meados de Abril ou Maio, dependendo da região, várias espécies de cerejeiras florescem por todo Japão, geralmente em Parques, Templos e outras áreas de lazer. Aqui agrupam-se milhares de pessoas para apreciar esse espectáculo, não só dos japoneses, mas milhares de turistas estrangeiros que visitam o arquipélago nesta época do ano.

Neste Festival, o foco principal é o Sakura, símbolo da Primavera no Japão e realizam-se inúmeras atividades, envolvendo esse tema. A principal atividade é com certeza, o tradicional piquenique sob as árvores repletas de flores da cerejeira. Essa tradição já existe há séculos e é praticada pela maioria das famílias japonesas durante e Equinócio da Primavera no Japão (Shunbun no Hi). 

Hanami no Parque Gyouen, em Shinjuku


É, por isso, comum haver uma sobrelotação dos espaços verdes e muita dificuldade para encontrar bons lugares para se fazer um piquenique. Tanto, que alguns parques até aceitam reservas das famílias, que muitas vezes o fazem com bastante antecedência. Outras famílias chegam a madrugar para chegar cedo aos parques e assim garantir um lugar agradável para reunir a família.

O momento em que as flores de cerejeira florescem é muito especial para o povo do Japão, pois duram apenas de uma semana a 10 dias. Por isso, durante o Hanami, os japoneses chegam de manhã e costumam ficar até escurecer, para aproveitar ao máximo a beleza das flores. São apenas dez dias, pois ao fim desse tempo elas cairão das árvores e as pétalas hão-de espalhar-se pelo chão, formando um imenso tapete rosa ou branco.

Cerejeiras no Japão

Existem mais de cem espécies de Sakurá no Japão, que variam de acordo com a cor das flores, folhas, tempo de floração e formação da árvore. E tal como existem cerejeiras de várias espécies, também o real significado do Hanami varia de pessoa para pessoa e de família para família. O mais poético é o simbolismo da flor com a brevidade da vida, devido à sua efemeridade.

Os amigos e as famílias reúnem-se para contemplar as flores e também para falarem sobre a vida. Tiram o dia para relaxar e saborear comidas típicas japonesas como oniguiri, sushi entre outros, levados de casa, além de bebidas que vão desde chás à bebidas alcoólicas como cerveja e e saquê. 

Festival Hanami


História do Hanami

Segundo a lenda, a tradição do Hanami já existe há milénios. Começou durante o Período Nara, quando a dinastia Tang da China influenciava o Japão em muitos aspectos. Um deles seria o costume de apreciar as flores. No período Heian (794-1191), além do Sakura, outra floração também muito apreciada eram as flores da árvore de Ume.

A contemplação das flores de Sakura também tinham um simbolismo religioso. As pessoas acreditavam na existência de deuses dentro das árvores e faziam oferendas às raízes das árvores de Sakura para pedir sorte e boas colheitas.

O Sakura também foi considerado o símbolo do amor antigamente, onde as mulheres enfeitavam os cabelos com um galho de Sakura ou decoravam o quintal das suas casas com as flores para mostrar que estavam em busca de um amor.


Sakura


Se, originalmente, a contemplação das flores se destinava à elite da corte imperial, com o passar dos anos, essa prática estendeu-se a artistas, poetas e músicos que contemplavam a maravilhosa floração de Sakura em busca de inspiração para suas artes. Com isso, a Sakura também ganhou um significado poético e filosofal devido à sua breve floração que dura cerca de apenas dez dias.

Há inúmeros poemas escritos sob as cerejeiras. Elogiam as flores delicadas e estabelecem metáforas e comparações com a própria vida humana: luminosa e bela, embora efêmera e transitória. A flor é comparada à brevidade da nossa própria existência.


Texto sem autor identificado. Texto e fotos retirados do site Japão em Foco.
20 Março 2013.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Sacana implacável


Ir velar um corpo é sempre uma missão estranha. Velar um corpo. A expressão é antiga, quase popular, mas comporta em si mesma uma enorme carga dramática. Velar, de velório. Velar, de vela acesa ao lado de um corpo.

Velar até podia ser bonito: velar, de vela, de barco à vela, de mar, de como quem ganha vento e invade o mar, soltando amarras da terra. Velar. Volar. Voar. Em paz.

Mas não. Os velórios que frequento não são leves. E são cada vez mais frequentes.

A idade é proporcional ao número de pessoas que velamos. Cada vez vou a mais funerais. Não que morra mais gente, mas que a minha gente tem mais idade, e eu tenho mais idade, e as pessoas com mais idade morrem mais.

Lá fui velar o corpo de uma pessoa que nunca tinha visto. Ir velar um corpo que a mim não me diz nada, mas que diz muito a uma pessoa que a mim me diz muito.

A morte é sempre uma sacana implacável que ataca quem lhe apetece. Lá se saciou mais uma vez, luxuriante.

A família entre o aperto da perda e o conforto da presença dos outros. A pessoa que me diz muito [abraço-te] que perdeu a pessoa que eu não conhecia [abraço-te muito] agradecia incomodado, tímido, entre o aperto da perda e o conforto da presença dos outros. Que não devíamos ter ido, que andamos a apanhar chuva, que são tantos quilómetros, que somos malucos, que não fazia falta, que se fazia tarde, que era melhor irmos andado, que – por favor – regressássemos devagar.

Não me aproximei do morto, apenas da pessoa para quem o morto era importante. Nem sequer lhe vi o rosto, a não ser na fotografia à entrada da igreja. Não quero conhecer já morta uma pessoa que não conheci viva. Não vou poder cumprimentá-la nem procurar-lhe o olhar, ver-lhe os dentes no sorriso.

Não avancei para além da penúltima fila de bancos da igreja. Só vi o corpo ao longe. Mas consegui ver-lhe a calvície. O alto da cabeça de um morto. Uma cabeça morta. Sem um único cabelo morto. Um senhor calvo. A morte não poupa sequer os calvos.

Dei por mim a imaginar-lhe a vida e a construir histórias. Quem seria, como seria, quem deixaria, que me contaria, que lhe perguntaria, como seria a sua gargalhada, o seu tom de voz.

O melhor do mundo é conhecer as pessoas e as suas histórias. Vivas. Neste caso, cheguei tarde de mais. Ouvi falar muito de si. Gostava de o ter conhecido antes.





sexta-feira, 8 de março de 2013

Um dia não são dias

Amanhã também podem oferecer-me flores. Depois de amanhã também podem oferecer-me poemas, homenagens e chocolates. E também podem continuar a falar de igualdade. É que logo à meia-noite nada muda. Hoje, amanhã e depois (e depois, e depois) continuo a ser Mulher.

Fotografia de Chelak Maxim