segunda-feira, 21 de maio de 2012

Dedos nas estrelas

À noite os meus dedos ganham vida própria. Ficam inquietos, peganhentos, nervosos, mexidos. Tenho dedos noctívagos. Eu, sem os meus dedos, prefiro os dias.
Agradam-me as manhãs. Quem é da Rádio gosta das manhãs. As primeiras horas do Sol, brilhante, radiante. As rugas na testa, que se franze com tamanha luminosidade. A manhã é um gigante. As pálpebras incomodadas, como estores cobrindo meia janela. O azul, o branco, o verde clarinho, o beige, o cinza, o acinzentado, o azulado, o esverdeado, o amarelo, o baunilha, o amarelado, um ligeiro castanho avermelhado, o rosa, o rosa acastanhado, o rosa avermelhado, e outra vez o branco e o azul, tudo mesclado, misturado, matizado... Não sei como há quem use óculos escuros para filtrar todas estas cores da manhã. Devia ser proibido escurecer a manhã.
E o cheiro? Então se chove, aquele cheiro da manhã molhada. A alma humedece apenas com o cheiro da manhã. Orvalha-me o dia. Há sempre uma brisa fresca quando abro a janela ainda ensonada. Inspiro. Encho o peito de ar. Espreguiço-me à janela todos os dias. Gosto de espreguiçar-me à janela, parece que os músculos esticam melhor, nutridos pela energia matinal.
Mas os meus dedos não se espreguiçam comigo. Mantêm-se deitados na cama quente, sonolentos, indiferentes à manhã que tenta despertá-los.
Também gosto das tardes. Gosto dos inícios das tardes. O Sol quente, a pique. Os girassóis quase incandescentes. As cigarras, quando é tempo delas. O meio do dia, com todo o tempo ainda pela frente.
E gosto dos fins das tardes. O regresso a casa, às famílias, aos ninhos. A algazarra da passarada. Os vôos felizes das andorinhas. O pôr do Sol silencioso. O gin tónico. O recolher. O cantar dos grilos. Meter a chave à porta ao fim do dia, descalçar-me. Descalçar-me...
Aquele namoro entre o Sol e a Lua, que, atrevida, começa a espreitar. Volto a abrir a janela ao anoitecer. Descalça, abro a janela. Inspiro, ouço, sinto. O cheiro da cidade é diferente, à noite. A brisa matinal deslocou-se para uma outra margem, outro rio, num outro país. Voltará daqui a algumas horas. O cheiro do anoitecer é mais adocicado, mais quente. O dia também está cansado.
Anoitece.
Os meus dedos despertam ao anoitecer. Correm para o teclado enquanto eu corro para um duche relaxante. Agarram-se às letras, às palavras, procuram metáforas e exclamações. Conquistam verbos e adjectivos. Descobrem vírgulas e reticências...
A noite é viciante para os meus dedos. Há contos e imagens que querem escrever. Não sei se será das estrelas, se da Lua. Parecem pirilampos cintilantes, saltitantes, fervilhantes. Os meus dedos querem falar. Pedem-me para abrir o tampo do computador, fora de horas. Querem conversa, espaço de liberdade. Alimentam-se do luar, da noite escura, da dança dos morcegos. Escutam os rouxinóis, que também adormecem tarde. Desafiam os mochos e corujas que, de olhos espantados, espreitam cada linha. Nas cabeças dos meus dedos nascem histórias, desejos, vidas que desconheço.
Vou dormir. Os meus dedos vão continuar por aqui. A querer contar histórias.


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