Hoje não me apetece sair do duche. Aqui na minha cápsula, na minha concha, estou aconchegada. Água quente escorrendo pela nuca. Olhos fechados. Respiração
lenta. Vapor por todo o lado. Nada se vê, nada se mexe, nada se ouve. Nem
liguei o rádio. Silêncio. Só se ouve o som da água a cair. Tchchchchchchch… O
chuveiro, lá no alto, abundante. Água dura. Como uma cascata no meu crânio cansado.
Percorro o meu dia de olhos fechados. Falo para dentro
enquanto o duche me alivia. “Devia ter feito isto ou aquilo. Simpático, aquele
almoço. Bolas, esqueci-me de ligar a alguém.”
Organizo o meu cérebro amolecido
pela água quase a escaldar. Derreto as minhas defesas.
Sinto calor. Talvez esteja a transpirar. A pele das costas já deve estar quase escalfada.
Sabe tão bem. Estou em banho-maria. É quase um casulo, de tão bom. Puxo os ombros para trás, rodo o pescoço, olhos fechados,
estico os braços tacteando a água que me foge dos dedos.
Hoje não me
apetece sair daqui. Tchchchchchchch… Eu e o chuveiro.
As paredes molhadas. O espelho embaciado não me olha
espantado, como pela manhã. Nem sequer o espelho me vê. A pele amolece. Ao vapor. Eu também.
Quebro. Hoje não me apetece sair do duche.
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