terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ao vapor

Hoje não me apetece sair do duche. Aqui na minha cápsula, na minha concha, estou aconchegada. Água quente escorrendo pela nuca. Olhos fechados. Respiração lenta. Vapor por todo o lado. Nada se vê, nada se mexe, nada se ouve. Nem liguei o rádio. Silêncio. Só se ouve o som da água a cair. Tchchchchchchch… O chuveiro, lá no alto, abundante. Água dura. Como uma cascata no meu crânio cansado.

Percorro o meu dia de olhos fechados. Falo para dentro enquanto o duche me alivia. “Devia ter feito isto ou aquilo. Simpático, aquele almoço. Bolas, esqueci-me de ligar a alguém.” 

Organizo o meu cérebro amolecido pela água quase a escaldar. Derreto as minhas defesas. 

Sinto calor. Talvez esteja a transpirar. A pele das costas já deve estar quase escalfada. Sabe tão bem. Estou em banho-maria. É quase um casulo, de tão bom. Puxo os ombros para trás, rodo o pescoço, olhos fechados, estico os braços tacteando a água que me foge dos dedos. 

Hoje não me apetece sair daqui. Tchchchchchchch… Eu e o chuveiro.

As paredes molhadas. O espelho embaciado não me olha espantado, como pela manhã. Nem sequer o espelho me vê. A pele amolece. Ao vapor. Eu também. Quebro. Hoje não me apetece sair do duche.



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