quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Próxima paragem

Entrei num autocarro sem destino. Ou antes, tinha destino, eu é que não reparei qual era. Nunca o tinha feito. Aliás, há bastante tempo que não andava de autocarro.

Naquela tarde sentei-me no banco de uma paragem para ajeitar a bota e acabei por ficar ali, abrigada, à espera que a chuva parasse. Estava frio, além da chuva. Mais ninguém na paragem. Acabei de ajeitar a bota e assim que levanto o corpo e a cabeça, estava uma porta de um autocarro aberta à minha frente. E um sorriso do condutor da porta aberta e do cabelo encaracolado e do bluetooth no ouvido e do pullover azul. "Entre, entre que ainda se constipa", disse o sorriso. É claro que entrei. Sorriso com sorriso se paga. Às tantas ainda me constipava mesmo.

Paguei o bilhete com umas moedas. O sorriso agradeceu. A máquina arrancou sem pressas. Dei uns passos, escolhi vagamente o meu lugar, passei os olhos por quem me fixava e sentei-me. Estava quentinho lá dentro. Soube-me bem aquele atrevimento. Ir sem destino. Ir. E depois logo se vê. "Vou até à última paragem e se ficar demasiado longe, regresso na mesma volta". Nada que me preocupasse. Tinha tempo e tinha a percepção da finitude da jornada.

Abstraí-me.

O bom de não sermos nós a conduzir. Fixar as pessoas que entram e saem, atarefadas. A mulher com os sacos de plástico na mão e o guarda-chuva a pingar. Os dois rapazes de olhos presos aos telemóveis. A janela embaciada, os caracóis negros da rapariga colados ao vidro. E aquele prédio que não parecia tão amarelo mostarda, aquelas águas furtadas, os telhados, as varandinhas, aquela floreira, o Rio visto daqui.
Passei por zonas da cidade que não conhecia. O destino desconhecido.
Os que saem, os que entram, os que descem com passo firme, os que sabem para onde vão, os que mandam parar (stop - campainha - luz vermelha intermitente - próxima paragem - stop - parar - intermitente), os que seguem, os que esperam de pé.

É admirável.

As pessoas escolhem a paragem do seu destino. Saem nesta e não na outra porque sabem que a seguinte não lhes presta. Não hesitam entre uma saída e outra. Conhecem as consequências da saída que há-de vir. Mas só é assim nos transportes públicos. Nos outros comboios da vida nunca conhecemos a paragem seguinte.

"Ficamos por aqui? Mudamos? Saio nesta? Espero a próxima? E se a próxima ficar demasiado longe? E se esta for a última? Dá para voltar para trás? Qual é a próxima saída? Como escolher a certa? Quanto tempo até à próxima paragem? Há tempo para tomar a decisão? Esta ou a próxima que não sei quando é ou sequer se é?"

E de repente, um sorriso: "E a menina afinal para onde vai?"
Autocarro vazio. Só um sorriso. Dois, agora.

E, afinal, não me constipei.



Sem comentários:

Enviar um comentário