sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Trato o Outubro por tu


Trato o Outubro por tu. Conheço-lhe os truques todos. Gosto do Outubro porque me desafia. Quando arrumo os algodões lá vem ele meter-se comigo à janela.
- Bom dia! Trago-te os primeiros pingos.
- Bom dia, Ó Tu…
Digo isto para o picar. Detesta que o trate só por “Ó-Tu”.
- O meu nome é Outubro. Ou-tu-bro, entendeu? Com dois "u's".
Rio-me. Ele irrita-se. E, nesse caso, chuvisca.

Temos longas conversas, eu e o Outubro.
Trato-o sempre por tu, não que ele me tivesse dito para o fazer. Habituei-me a tratá-lo assim e não me imagino a tratá-lo doutra maneira. Ele, porém, não. Nunca se sentiu à vontade para me tratar por tu. Já insisti mas ele resiste. 
É um artista, este Outubro. Faz-se difícil. É para manter uma certa distância e fintar-me sem ficar com problemas de consciência. Conheço-o de ginjeira!
- Tiraste a gabardine para quê? Hoje estou de esplanada. Vais querer mesmo sair de gabardine?
Ri-se, o pirata. Ri-se de mim.

O Outubro sabe que eu gosto de prolongar os Setembros. Nunca lhe escondi que o Setembro é o meu favorito. Fica amuado e ciumento com isso, o meu querido Outubro.
- Anda cá, deixa-te de fitas… Fica aqui. Traz tu a manta, que eu levo o vinho tinto. 
Mas ele insiste nas voltas vadias. 




1 comentário:

  1. Fernando Alves, "conheço-o" pela sonoridade ética e poética de cada uma das palavras que diz e pelos silêncios arrepiantes com que as junta e nos junta a elas, às suas - já nossas - palavras.
    Ramos Rosa, "conheço-o" pela beleza que sabia trazer lá do fundo das grutas mais profundas, lá da nascente dos vulcões das letras e das imagens.
    Conjugar ARR com FA é muito arriscado. Para os mais susceptíveis ao desassossego, o desarranjo dos sentidos e emoções é consequência certa.
    A sua conversa de ousado queixume com o senhor RR é uma deslumbrante definição de saudade, mas colorida, assim ao jeito do “Desfado” de Ana Moura.
    Tudo isto, para notar o “Ó-Tu” com que chama, lida e brinca com o outubro e o Tu que soube não dizer ao senhor RR. Pois é, “ele” há “Tus” que só existem enquanto não forem ditos.
    Obrigado, também pelo café.

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